O programa
Pérolas da EMR recebeu em Junho de 2024 um convidado muito especial – Hans Koch, fundador da Escola de Música da Rocinha.
“Quando comecei, eu tinha um amigo que falou – Hans, aqui no Brasil e no Rio de Janeiro, os projetos nascem e morrem, o seu também vai morrer.”
Mais viva do que nunca, a Escola da Música da Rocinha completou 30 anos em Junho de 2024, e aproveitou a ocasião para uma conversa com Hans Koch sobre as alegrias e desafios vividos ao longo dessa jornada, com a presença de uma plateia que pode escutar as histórias de Hans e fazer perguntas, tanto sobre a sua vida pessoal e carreira na música, quanto as motivações para criar a EMR em 1994.
Biografia
Hans nasceu na Alemanha e começou a estudar música aos 5 anos por influência da sua mãe - “um dia ela colocou as mãos dela em cima das minhas no piano para tocar” - esse ato despertou Hans para o caminho da música que o levou à educação musical, tendo o piano como um dos principais instrumentos.
Durante a sua carreira, Hans atuou em musicais, tocou como músico solo e em orquestras, mas foi no magistério como professor de música que encontrou um caminho que lhe rendeu uma base material e existencial de vida.
Marcelo Lima, músico e rodie da Orquestra de Câmara da Rocinha da EMR, perguntou ao Hans sobre sua carreira musical para além do magistério:
“Durante o tempo de magistério, eu fiz uma vez por ano concertos na Escola Alemã, a partir do meu trabalho com jovens e criancas ... Hoje, na Alemanha, eu tenho um trio de musica erudita de violino, ‘cello’, e piano. É uma pratica que continuo, e de vez em quando sou chamado para um concerto, onde toco uma ou duas pecas.”
Na entrevista, cita o maestro italiano
Claúdio Abaddo (1933-2014) como uma referência, e lembra a sua visita ao Brasil, quando também conheceu a Escola de Música.
Mas foi um professor, ainda na universidade, que convenceu Hans de que o magistério era a sua melhor opção:
“Quando estudei educação musical e piano solo, nunca esqueci um professor que me ajudou quando eu terminei meu curso. Perguntei a ele: o senhor me recomenda continuar estudando piano para ser pianista profissional ou entrar na escola como professor? Como bala de pistola ele falou: vai na escola! Daí ele falou: você perguntou, e quem tem paixão não pergunta.”
Hans completa:
“Não me arrependi porque tive uma base financeira e liberdade para fazer outras coisas.”
Chegada ao Brasil
A educação musical levou Hans para outros países até chegar no Brasil nos anos 1980, onde trabalhou como professor tanto no sudeste, no Rio de Janeiro, quanto no nordeste, em Natal – Rio Grande do Norte.
Para ele, a primeira dificuldade foi se adaptar à cultura brasileira, mas não levou muito tempo para se apaixonar pelo país, sobretudo pela ajuda e acolhimento de seus colegas de trabalho e amigos.
Mas foi no Rio de Janeiro que teve uma experiência transformadora, quando começou a dar aula em uma escola para a elite carioca:
“Eu via as crianças chegando na escola com o motorista,
nem na Alemanha tinha visto isso ... e atrás do lugar tinha uma favela ...
Foi uma situação que me comoveu”.
Hans transformou essa comoção e indignação em movimento, e em 1994 procurou ajuda de um padre que atuava em duas favelas: o Santa Marta e a Rocinha.
“O padre Thierry me ajudou a procurar um lugar inicialmente no Santa Marta ... mas ele lembrou de um pastor da Igreja Metodista na Rocinha, e disse que talvez fosse mais fácil encontrar um espaço por lá.”
Assim se iniciou o curso de flauta com 15 crianças e as primeiras divulgações aconteceram no culto da igreja.
A Escola de Música da Rocinha – primeiras parcerias
As primeiras parcerias foram as igrejas e ONGs da Rocinha, e aos poucos chegaram as empresas privadas do Brasil, além do
Ministério da Cultura da Alemanha por meio do Consulado Geral da Alemanha, que fez uma proposta ao Hans:
“Eles disseram: a gente vai te pagar um salário mensal, como se fosse diretor da escola ... mas esse dinheiro não era para mim, era para investir na escola.”
Não demorou muito tempo para que a demanda por mais aulas crescesse, e com isso chegam outros professores - Jaqueline, Gilberto, Valéria.
Aos poucos a EMR passou a ser conhecida e procurada por
jornais importantes da época que tinham interesse em conhecer o trabalho.
"Naquele tempo, em 1994, foi mais fácil chamar atenção porque não tinha tantos projetos na Rocinha" ... "Naquele tempo era uma novidade ter uma escola de musica na Rocinha."
Já nos anos 2000, os alunos que estavam na escola desde o início passam a desenvolver de forma profissional as suas habilidade musicais, o que levou ao primeiro projeto de prática de conjunto da EMR, a banda
“6 que sabem”.
Em 2006 essa banda representou uma virada de chave na divulgação e entrada de recursos na escola com uma turnê organizada por Hans na Alemanha:
“Organizei tudo para não termos despesas”–o vôo foi pago pelo Instituto Goethe, a hospedagem era solidaria com famílias que receberam os jovens, o almoço e café foram oferecidos por restaurantes.”
Ao todo foram 25 shows em 28 lugares: a banda percorreu 5 mil quilômetros pela Alemanha.
Hans era o produtor, vendedor do CD da banda, divulgador na mídia local e motorista - "dentro da van era Brasil, quando saia era Alemanha” – brinca o Alemão com as diferenças culturais vividas pelos jovens.
A turnê rendeu frutos colhidos até hoje, como a criação de uma rede de 500 pessoas na Alemanha que se encantaram com o trabalho, e que ainda hoje doam recursos para a escola:
“Tenho um fundo de 500 pessoas ... de valores pequenos e grandes, mas que juntos é importante para que todo ano tenha uma base na escola.”
Hans conta que cada turnê rendeu 36 mil euros adquiridos, sobretudo pela venda de CDs, mas também pelas doações.
A experiência da turnê foi tão boa que repetiram em 2009, agora com a banda
“Chorando à Toa” – emocionado, Hans lembra o quanto Carlos Mendes foi essencial para que a turnê acontecesse. O professor Carlinhos faleceu em 2021.
Um momento de emoção, que remeteu a platéia a outras memórias, como as muitas fases em que a escola tinha poucos recursos financeiros, mas mantinha uma equipe unida e apaixonada.
"Meu sonho era ter uma Orquestra de Câmara, uma Orquestra Sinfônica ... sempre trabalhei com o objetivo de ter mais recursos, para ter mais professores, mais alunos ... essa foi uma intenção, e consegui de forma decisiva com a ajuda das turnês.”
Uma escola de música em cada favela do Rio de Janeiro.
“Meu sonho é fazer uma escola de música em todas as favelas do Rio de Janeiro.”
E segue em defesa do ensino da música:
"A música tem tanta coisa que é positiva, que traz consciência de poder, autoestima ... o espírito de conjunto ... a educação musical é uma força que traz muitos frutos ... especialmente em uma área de risco onde a música faz a diferença ...”
Após 30 anos do projeto, a escola de música está ampliando as suas ações para além do ensino de música, e contribuindo para a cena musical dos projetos sociais do Rio de Janeiro, através do
Prêmio Hans Koch.
“Meu sonho era fazer uma escola de música em todas as favelas, mas através do prêmio a gente pode divulgar esse projeto, e fazer as pessoas acessarem.”
Por fim, Hans agradece:
“Não vou deixar de agradecer a todas as pessoas que desde o início e até hoje trabalham na escola, pois sem essas pessoas a escola não seria nada. A Escola de Música da Rocinha foi formada por pessoas maravilhosas que se dedicaram, se engajaram e trabalharam com coração e amor. O sucesso da escola não seria possível sem essas pessoas.”
“Fico feliz que a escola chegou a esse ponto com tanta gente bonita, feliz e que ama a música. Com amor você consegue mais sucesso.”
O programa
“Pérolas da EMR” foi gravado entre 2021 e 2024, com o objetivo de construir um baú de memórias da instituição com as pessoas que fizeram parte da nossa história.
